terça-feira, 19 de janeiro de 2010


Ela o amava tanto, era sem fim em seu corpo esse amor.
Tomava conta do amor depois do sexo, naquele
começo de manhã. Tomava conta sozinha,
ele já voltara a dormir, suado, depois do
exaustivo exercício do gozo.
As suas unhas demonstravam o limite do
seu sentimento. Suas unhas amareladas
de nicotina e amor. Seu transtorno era amá-lo.
Havia no móvel, ao lado da cama, um prato
vazio e sujo, sinal de refeição preguiçosa
feita na cama, na noite anterior. Apanhou a
faca que estava jogada ao lado do prato
e contemplou aquele objeto sem vida,
que refletia, sem muita nitidez, o seu rosto.
O amor inchava o seu espírito, não era
capaz de controlar os movimentos de sua mão direita,
que golpeava o corpo adormecido do seu amado. Quanto amor!
O amor dele paralisava-se ali. Morreu.
Ela parou, olhou para si e golpeou o seu ventre. Finalmente
o seu espírito se libertava daquela forma passional. Seu amor
manchava o lençol da cama com um encarnado fluido. Já não
o amava. Deixara de existir ali, livrara-se da existência, livrara-se.
Sim, pois só se é livre, de fato, quando não mais se existe.
Seu transtorno a conduzira para a libertação...
Quantas facas haverá nesse mundo para libertá-lo?


Paulo Antônio e Luiza Pontes.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010


Delírios
a Luiza

O céu negro,
Com suas nuvens arroxeadas,
Parou...
Os velhinhos de mãos dadas,
A grávida,
O mendigo na calçada,
A coruja taciturna,
Também.

Levemente
Tudo se ergueu.
Em suspenso
Tudo flutuava

E, como num sonho,
Que se desfaz e se refaz lubricamente,
Eu andava ao teu lado Sem me notar ali.
Boiando na existência,
Sem pisar no chão

Eram seus lábios que se abriam
E a chuva de lírios que brotava de sua boca
E os lírios correndo ao redor de mim
E me tomando
E me chamando pra brincar de roda
E me enfeitando com seus aromas
E me dizendo deles...

Eu,
Logo eu,
Tão de ninguém,
Tão sem ninguém,
Agora brinco com lírios,
Agora sou de lírios
Delírios...


*Imagem: quadro A noite estrelada (1889), de Vincent Van Gogh