segunda-feira, 5 de abril de 2010

Embriaguez


Seduzida pelos prazeres
do meu mundo...
Sem uma gota de complacência,
me entrego aos desvarios.
Finjo que fujo dessa
concupiscência,
astuciosa.

Mas tudo não passa
de um devaneio,
e a consternação se
faz presente.
E se vai o doce sabor
de um dia que já não
é mais.

Luiza Pontes.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cidade Velha





Entorna-me entre os cantos vazios desta cidade,
nos sulcos,
nas frestas,
nas velhas lamparinas.
Faz-me passarela de putas,
de ordens marginais,
de cães a ladrar para o nada.
Na umidade,
na secura dos lábios cansados,
nos dedos amarelados,
na nicotina,
nas almas dos decadentes...
Coloca-me poesia entre os dentes
E um adocicado sonho na língua.


Paulo Antônio

terça-feira, 19 de janeiro de 2010


Ela o amava tanto, era sem fim em seu corpo esse amor.
Tomava conta do amor depois do sexo, naquele
começo de manhã. Tomava conta sozinha,
ele já voltara a dormir, suado, depois do
exaustivo exercício do gozo.
As suas unhas demonstravam o limite do
seu sentimento. Suas unhas amareladas
de nicotina e amor. Seu transtorno era amá-lo.
Havia no móvel, ao lado da cama, um prato
vazio e sujo, sinal de refeição preguiçosa
feita na cama, na noite anterior. Apanhou a
faca que estava jogada ao lado do prato
e contemplou aquele objeto sem vida,
que refletia, sem muita nitidez, o seu rosto.
O amor inchava o seu espírito, não era
capaz de controlar os movimentos de sua mão direita,
que golpeava o corpo adormecido do seu amado. Quanto amor!
O amor dele paralisava-se ali. Morreu.
Ela parou, olhou para si e golpeou o seu ventre. Finalmente
o seu espírito se libertava daquela forma passional. Seu amor
manchava o lençol da cama com um encarnado fluido. Já não
o amava. Deixara de existir ali, livrara-se da existência, livrara-se.
Sim, pois só se é livre, de fato, quando não mais se existe.
Seu transtorno a conduzira para a libertação...
Quantas facas haverá nesse mundo para libertá-lo?


Paulo Antônio e Luiza Pontes.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010


Delírios
a Luiza

O céu negro,
Com suas nuvens arroxeadas,
Parou...
Os velhinhos de mãos dadas,
A grávida,
O mendigo na calçada,
A coruja taciturna,
Também.

Levemente
Tudo se ergueu.
Em suspenso
Tudo flutuava

E, como num sonho,
Que se desfaz e se refaz lubricamente,
Eu andava ao teu lado Sem me notar ali.
Boiando na existência,
Sem pisar no chão

Eram seus lábios que se abriam
E a chuva de lírios que brotava de sua boca
E os lírios correndo ao redor de mim
E me tomando
E me chamando pra brincar de roda
E me enfeitando com seus aromas
E me dizendo deles...

Eu,
Logo eu,
Tão de ninguém,
Tão sem ninguém,
Agora brinco com lírios,
Agora sou de lírios
Delírios...


*Imagem: quadro A noite estrelada (1889), de Vincent Van Gogh